A triste sina do Egito


Mais uma vez o Egito foi tomado por uma mobilização popular visando mudanças políticas. Dessa vez, a vítima foi o presidente eleito Mohammed Morsi, que apenas iniciava seu segundo ano no poder. Os opositores do presidente e da Irmandade Muçulmana, apoiados diretamente pelo Exército egípcio e discretamente pelas potências ocidentais, conseguiram em poucos dias derrubar o governo, instalando um regime provisório que irá “reconduzir o país à normalidade”. Isso, no entanto, será bem mais difícil do que parece – e parece muito complicado.
Um assentamento político está longe de ser alcançado. Com a derrubada do governo legitimamente eleito, a tendência será a radicalização dos adeptos da Irmandade Muçulmana, que há um ano foram os vitoriosos das eleições. A simples transmissão do poder para o campo não islâmico não é garantia de solução dos conflitos, num país fortemente dividido e com grande diversidade cultural e religiosa. Assim, é bem possível que o Exército permaneça exercendo o poder, de maneira a evitar o esfacelamento do Estado como o que ocorreu no Iraque e vem ocorrendo na Síria. Isto poderia ser feito inclusive com a manutenção de um presidente civil “fantoche”, como parece ser o atual presidente interino, deixando o Exército livre para seu papel de repressor da dissensão.
A difícil situação política, no entanto, não é o pior dos males no Egito. A questão de fundo que motivou os protestos assenta-se nos problemas sociais do país, decorrentes de uma grande deterioração da economia egípcia nas últimas décadas. O Egito, historicamente um grande produtor de cereais (não por outro motivo foi anexado ao Império Romano na época dos amores de Cleópatra), deixou de ser autossuficiente desde a década de 1960, e hoje importa cerca de 75% do trigo que consome. Para fechar essa conta, o país passou a confiar cada vez mais na crescente exportação de petróleo, que no entanto atingiu seu pico em 1996 e desde então vem declinando. A isso se juntou o aumento do preço do petróleo após as Guerras Estadunidenses iniciadas em 2001, que teve o efeito deletério de provocar forte aumento do preço dos cereais e dos alimentos de modo geral (pelos motivos analisados no artigo “Entendendo a crise dos alimentos”).  
O presidente deposto estava seguindo o receituário do FMI para o ajuste de contas destinado a diminuir o endividamento do país, que hoje se encontra em cerca de 80% do PIB. Diminuíram-se os subsídios à energia, e o país passou a enfrentar apagões. Caíram também as importações de alimentos, que atingiram no mercado interno um preço inacessível para os 40% da população que vivem abaixo da linha da pobreza. O desemprego é alto, e a população, de 84 milhões de habitantes, cresce em ritmo de país subdesenvolvido.
Um novo governo, civil ou militar, recebendo as bênçãos do Grande Irmão americano, pouco poderá fazer para fugir ao receituário neoliberal que aumenta o intervalo entre ricos e pobres, e esse parece ser o grande problema a ser vencido pelos sucessores do infeliz Morsi – que apesar de todos seus erros, foi o primeiro presidente democraticamente eleito nesse país de 5000 anos de história, que até então só conhecera faraós, sultões, reis e generais, além dos conquistadores estrangeiros. E que tem a triste sina de pertencer à África e ao Oriente Médio.

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